24 setembro 2008

Previsão do tempo num litoral incerto

Fotografia de Nuno Abreu


Anunciam-se chuvas,
que cairão formosas e seguras
sobre os telhados que de vidro forem.

Os outros, que de vidro não são,
podem ficar sossegados,
porque sobre eles as chuvas também cairão.

Anunciam-se ventos,
enlaces, casamentos,
festas de despedida
e rituais de iniciação.

Prevê-se a queda de pedras
vindas de todas as veredas
em movimentos antigos
de pura e total condenação.

Caída a noite as ondas
atingirão, animadas
os transeuntes desprevenidos
e escondidos na escuridão.

Madrugada fora naufrágios,
maremotos, maus presságios,
subida da temperatura e geadas:
Esta é a minha previsão.

Carmen Zita Ferreira
in Poiesis XVI - Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea.
Ed. Minerva, Lisboa, Junho de 2008, pg.48

18 setembro 2008

Oscar Wilde #2

Fotografia de Rita Santos
(a propósito de uma tentativa de homicídio mal sucedida, com recurso a engenho explosivo)

“Reconheceu que não havia vantagem em ir à Scotland Yard, porque aí parecia nunca se saber nada sobre os movimentos partidários da dinamite, senão depois de uma explosão.”
WILDE, Oscar. O crime de Lorde Artur Savile e outros contos. Ed. Relógio d’Água, Lisboa, 2007, pg. 31

“Os detectives ingleses são realmente os nossos melhores amigos e eu tenho reconhecido sempre que, confiando na sua estupidez, podemos realizar exactamente o que desejamos. Não podemos dispensar nenhum.”
Idem. Ibidem. pg. 33

“Relógios explosivos não são lá muito boa coisa para exportação estrangeira, porque mesmo que consigam passar sem dificuldades na Alfândega, o serviço de comboios é tão irregular que, por via de regra, explodem antes de atingir o seu verdadeiro destino.”
Idem. Ibidem. pg. 33
"(...) mas ficou a prova bem provada de que a dinamite, como força destruídora, quando sob controlo do mecanismo, é agente poderoso, se bem que pouco pontual."
Idem.Ibidem. pg.36

17 setembro 2008

Oscar Wilde #1

Este Verão li “O crime de Lorde Artur Savile e outros contos” (1891), de Oscar Wilde, numa edição da Relógio d’Água, de Junho de 2007.
Acho incrível como, passado mais de um século, Oscar Wilde consegue ser actual e usar, com uma mestria invejável, umas das mais poderosas armas, a ironia. Na verdade, para mim ler Oscar Wilde é não só um prazer, mas também uma oportunidade de aprender com quem realmente domina a arte da escrita.
Começo aqui uma série citações deste livro, que fui sublinhando e que, apesar de retiradas do contexto, são (na minha opinião) espelho do talento deste autor.
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“(…) na escadaria estavam de pé muitos reais académicos, disfarçados de artistas.”
WILDE, Oscar. O crime de Lorde Artur Savile e outros contos. Ed. Relógio d’Água, Lisboa, 2007, pg. 7
(parte final de descrição de uma sala onde decorria uma festa)
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"Trevor era pintor, coisa a que pouca gente escapa hoje em dia. Mas era também artista e os artistas são mais raros."
Idem. Ibidem. pg. 84

14 setembro 2008

Troca para marcar

Como tinha anunciado aqui, inscrevi-me numa onda de trocas, cujo resultado deveria apresentar hoje, dia 14 de Setembro.
O desafio era fazer um marcador para livros, no material que se quisesse, com uma ilustração/colagem nossa e uma frase ou excerto que nos tivesse marcado (indicando nome do livro e do autor).
Por sorteio, a parceira que me foi atribuída tem um blog que se chama Um quarto de fadas e toda esta experiência, a meu ver resultou muito bem.
Assim, este foi o marcador que enviei à Fada, com a seguinte frase de Mia Couto, no seu mais recente livro “Venenos de Deus e Remédios do Diabo”, da Editorial Caminho (pg. 98):
“O suficiente é para quem não ama. No amor só existem infinitos.”










Este foi o marcador que recebi da Fada, com a seguinte frase, de Clarissa Pinkola Estés, em “Mulheres que correm com os lobos”:
“Ela traz histórias e sonhos, palavras e canções, signos e símbolos. Ela é tanto o veículo quanto o destino.”













E finalmente, aqui vai a minha sugestão de dez livros para ler em 2008:

AUSTER, Paul. O livro das ilusões. Asa Editores, 4.ª edição, Lisboa, 2006.
COUTO, Mia. Venenos de Deus e Remédios do Diabo. Editorial Caminho, 1.ª edição, Lisboa, 2008.
GEDEÃO, António. Poemas escolhidos. Ed. João Sá da Costa, 10.ª edição, Lisboa, 2006.
GUSTAFSSON, Lars. A morte de um apicultor. Asa Editores, 2.ª edição, Lisboa 2001.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Dom Quixote, 23.ª edição, Lisboa, 2006.
MURAKAMI, Haruki. Sputnik, meu amor. Casa das letras, 6.ª edição, Lisboa, 2008.
SANTIS, Pablo de. A Tradução. Asa Editores, 1.ª edição, Lisboa, 2000.
SEPÚLVEDA, Luis. Crónicas do Sul. Asa Editores, 1.ª edição, Lisboa, 2008.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Relógio d’Água, Lisboa, 1998.
ZOLA, Émile. Thérèse Raquin. Círculo de Leitores, Lisboa, 1973.

Directamente para a Fada, quero agradecer o marcador e toda a simpatia revelada. A nossa “troca” marcou-me, realmente.
À Su, da Teia de Ariana, parabéns pela excelente ideia.

03 setembro 2008

Setembro


Fotografia de Nuno Abreu


Era Setembro
ou outro mês qualquer
propício a pequenas crueldades:
a sombra aperta os seus anéis.
Que queres tu ainda?
O sopro das dunas sobre a boca?
A luz quase despida?
Fazer do corpo todo
um lugar desviado do inverno?

Eugénio de Andrade
in Poesia, Ed. Fundação Eugénio de Andrade,
2.ª edição, 2005, pg.341